segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Entrevista #02: Macaco Bong fala sobre auto-gestão e o CFE

Macaco Bong é uma das bandas independentes em destaque e nessa entrevista eles falam um pouco sobre como funciona o Circuito Fora do Eixo onde vestem a camisa e lideram a causa. A conversa passa pela auto-gestão, experiência fora do país, relação do independente com a grande mídia e etc.

Foto: Divulgação

O Circuito Fora do Eixo nasce em partes pela falta de espaço das bandas independentes na grande mídia. E hoje depois de toda uma lógica já estabelecida e um público consolidado mudou um pouco isso. Agora a grande mídia quer incorporar as bandas do Fora do Eixo na sua programação. Vocês como construtores desse circuito, como avaliam isso?

Ney Hugo: A gente é de um coletivo lá de Cuiabá que chama Espaço Cubo, que é um membro fundador do Circuito Fora do Eixo. Na verdade o FDE não é um movimento de bandas. É um movimento de tecnologia social que trabalha muito a questão da economia solidária, como as moedas complementares, que são complementares ao Real pra viabilizar o acesso ao produto e a produção, tanto pro cara poder acessar a banda, o disco, DVD, filme, como pra ele poder também produzir aquilo.

Então tem alguns elementos que são carro chefe e a música é um grande carro chefe disso. E a partir dessa movimentação que teve a ocupação de espaço que as bandas que fazem parte do CFE tomaram, tanto através do processo dos festivais quanto as turnês realizadas em rede. Hoje ao fazer uma turnê em Minas Gerais por exemplo é possível passar por diversas cidades e diversos coletivos através do Fora do Eixo Minas. Então isso que fez com que muitas bandas pudessem circular e foi um estímulo muito forte pra que muitas bandas surgissem. E ao mesmo tempo que a viabilidade daquilo provava que banda não precisava agradar a gravadora e não precisava de uma babá, porque na realidade a gravadora é uma babá. E as bandas começaram a entender a perspectiva da auto gestão, delas mesmo cuidarem dos elementos da carreira, dos elementos técnicos, dos elementos estratégicos e ao mesmo tempo teve uma melhoria estética por não ter o rabo preso com uma gravadora, rádio e tudo mais. A música começou a ser muito mais "vendida" nos shows do que nos CDs. Ainda tem a internet que mudou muito isso. Hoje o cara vai no myspace da banda e baixa as músicas, então o público passou a consumir muito mais isso. E a mídia de grande porte é claro que vai querer vender o jornal, vender a matéria que passa no programa de TV pra esse público que passou a consumir isso. E é aí que a grande mídia passa a vincular pautas a respeito das novas bandas e acaba que não tem mais música independente, é tudo música brasileira. O independente é só o cara que já entendeu, já ta na auto gestão e já ta mais sustentável. E o não independente é a galera que ainda busca a grande gravadora que é um mercado que ta cada vez mais morto e bandas que vão por esse viés já tem 90% de chance de dar errado.

Com o álbum Artista Igual a Pedreiro vocês alimentaram um projeto que na minha visão tem o formato do futuro da distribuição e do consumo da música, que é o Álbum Virtual da Trama.

Kayapi: Já que a tecnologia chegou a um ponto de que a gente consegue ter essas tecnologias de produção mais na mão, tudo se torna muito mais viável dentro dessa perspectiva. Que é fazer o lançamento em download permite você criar mais através dessa relação software e a internet. Tanto software de áudio e de vídeo como o upload e uma série de outras ferramentas que hoje em dia não param de surgir na internet. Então acho que hoje o mercado está cada vez mais caminhando pra isso. Está aprimorando o conhecimento em software e através desse software desenvolver produtos relacionados com o que você está desenvolvendo.

Vocês já se apresentaram em alguns festivais gringos. Que experiência vocês trouxeram pra cá?

Kayapi: Esses festivais na gringa são sempre bons. Você tem uma relação mais próxima com outro nível de produção, outros termos técnicos e tudo mais. Da experiência que ganhamos na Argentina não foi só o fato da gente tocar pro público argentino, mas sim conhecer como as casas noturnas trabalham, conhecer como os técnicos trabalham, os fotógrafos, cineastas e todo mundo. Que é muito interessante. E é realmente diferente. Uma coisa que pode ser que nós brasileiros não consigamos entender isso muito bem, o que é compreensível porque o nosso mundo ele é muito Brasil, é o fato dele não estar muito ligado com esse circuito da américa do sul, ele não faz parte dessa américa latina. Você não vê bandas do Brasil cantando em castelhano. Você pega o Mars Volta, que é dos Estados Unidos mas tem aquela relação com o México, tocam todos os anos na Argentina, tem tipo uma família na Argentina. A namorada do vocalista do Mars Volta é Argentina. E eles quase não toc am no Brasil. Então o Brasil ainda se encontra num patamar ao qual ele tem um puta fluxo de circulação, uma mega produção de rede, mas que não é integrado a América Latina. Então agora ele vai partir a se integrar nesse circuito da América Latina que é muito diferente. América Latina é Europa. Todo o parâmetro que você vai encontrar na América do SUl, como na Argentina, é o europeu. Brasil é Brasil. É uma coisa que só tem aqui. Só funciona aqui e acontece só aqui. Então essa experiência da gente ir pra Espanha é a mesma de ir pra Argentina, porém mais distante. Maior talvez.



Vocês fazem um trabalho forte em promoção da auto-gestão com oficinas e debates. Como é esse trabalho?

Kayapi: Eu acho que o Artista Igual a Pedreiro vem cada vez mais levantando a bandeira nesse sentido. Muitas bandas vem vestindo a camisa dessa proposta. Mais do que vestindo a camisa elas vem adotando isso como conteúdo programático. Temos como exemplo o Burro Morto e Caldo de Piaba que estão na mesma perspectiva do Artista Igual a Pedreiro, ou seja, facilitar ao máximo para que as coisas possam ocorrer, acreditando, investindo e ocupando muito espaço. O Burro Morto é uma banda que assim como o Caldo de Piaba vem consagrando seu espaço. Não só pelo fato delas serem bandas instrumentais, temos também a Mini Box Lunar, o Nevilton, e toda uma galera que vem nessa perspectiva do Artista Igual a Pedreiro, construindo seu caminho através de tijolo por tijolo, investindo e acreditando numa causa. Então a mensagem principal do Artista Igual a Pedreiro é acreditar na sua causa. Acreditar nisso através de uma meta racional. Planejar, executar, utilizar das ferramentas disponíveis tanto na tecnologia quanto da parte mais prática mesmo e tocar o trabalho pra frente.

Com o crescimento da banda a auto-gestão não fica comprometida?

Kayapi: Em nenhum momento. Não tem como a auto-gestão se desvincular da banda.

Ney Hugo: Na verdade a auto-gestão é o que retro-alimenta o crescimento da banda. Então não tem como ser ao contrário.

Kayapi: Mas claro que não é assim também. Tipo a gente tem uma banda, amanhã a gente começa a fazer parte do coletivo, e no outro mês a gente está circulando que a gente vai conseguir adaptar isso. Não, é bem difícil. É um processo em que você tem que estar o tempo todo buscando conciliar essas duas atividades, porém uma não caminha sem a outra. A parte do trabalho da gestão em cima do núcleo que você é responsável dentro do seu coletivo caminha. Ela pode caminhar sem a banda. Mas a banda não caminha. Na banda se você não tiver uma contra partida, se você não tiver uma função estabelecida dentro desse conteúdo todo, vai ser muito difícil dela conseguir caminhar. Isso porque você precisa de técnicas práticas e teóricas pra tudo acontecer. Então é planejamento. Uma turnê que você faz requer um puta planejamento. Os ensaios pra poder agendar e fazer acontecer pra gravar um EP é um outro planejamento. Apesar de ser um ponto bem pequeno dentro de todo o circuito, é muito importante, claro. As bandas tem que ensaiar, tocar, gravar e tudo mais. E isso requer uma sistematização. Você tem cada vez
mais o empenho de desenvolver novos tecs, novas planilhas, ver como você vai estar sistematizando e organizando cada vez mais isso. Conseguir gerenciar seu trabalho na sua cidade e também fora dela. Que é uma meta bem difícil. Porém é uma experiência muito realizadora, aprendi muito. É um laboratório de produção de verdade.

Fica o espaço pra alguma mensagem que a banda queira passar.

Kayapi: Diante disso tudo que a gente vem colocando aqui como Circuito Fora do Eixo que vem desenvolvendo essas novas tecnologias de rede. Você que tiver disposição, pode ser músico, ou pode muitas vezes ainda nem exercer alguma atividade nesse sentido, mas só a sua disposição, vontade de fazer já pode mudar muito a sua vida, os seus caminhos. A sua meta pode talvez não ter muito a ver com o rock mas você pode se encontrar aqui dentro. Você pode se ligar ao audiovisual por exemplo. Então o Circuito Fora do Eixo está aberto, a rede está completamente aberta, sinta-se a vontade pra vir e propor. Com vídeo, ou sem vídeo. Com música ou sem música. Com a sua própria vontade de se inteirar disso aqui. Tem núcleo de comunicação, sonorização, produção de eventos, produção de bandas e etc. Então fica o convite. Acesse www.foradoeixo.org.br e acompanhe tudo o que acontece no Circuito Fora do Eixo.

Nenhum comentário: